domingo, 15 de março de 2009

As vinte e oito mulheres

Ontem li sobre elas. Não o que alguém falou sobre; não as conheci através do olhar do outro. Nunca as vi, talvez nunca venha a conhecê-las, e nem elas a mim. Mas o importante é que as conheci. E isso fez com que eu pensasse no diferente.
Já tive que escrever redações autobiográficas, e na minha opinião, é difícil falarmos quem somos. Somos a junção de tudo, filho de um, pai de outro. Vizinho daquele, amigo desse. O que realmente nos torna únicos é aquilo que chamamos de essência. Há quem acredite que ela é construída, outros acham que nascemos com ela.
Já eu, acredito que nascemos com ela, e que, também, a construímos; um pouco de cada.
Nunca, como hoje, vi a importância que o meio tem na vida de alguém.
O que foi que aconteceu?
Onde foi que vidas seguiram caminhos tão opostos, onde foi que houve a separação? De quem foi a culpa? De quem é o medo?
A maioria delas mal sabe escrever. Mas já sabem de drogas, sabem vender, sabem se vender pra conseguir comprar. Comprar seu vício, sua droga, sua “saída”...
Lendo seus textos, não me pareceram reais. São meninas cheias de sonhos, cheias de culpa, cheias de amor.
Se não todas, mas a maioria relata da sua saudade de casa, da mãe, do colo.
Foi proteção que faltou, foi carinho?
Nem todas têm uma família desestruturada, nem todas são filhas de criminosos, traficantes ou alcoólatras. Todas são filhas, e quase todas são mães.
Naquelas folhas soltas de caderno, havia a infância perdida, havia sonhos... No canto, desenhos de corações, flores, e mimos. Lá se via um futuro, futuro desejado, mas não um certo. “Quando sair daqui vou voltar a estudar”, “quero ser veterinária”, “quero ser médica”, quero ser isso, quero fazer aquilo.
Talvez seus sonhos venham a se realizar um dia, talvez não.
Não posso julgar qual modo de levar a vida é mais fácil, é melhor. Até agora só conheço o meu.
Ter contato com vocês me trouxe um grande aprendizado e senso de realidade. Deixemos de olhar para nosso próprio umbigo, levantemos a cabeça. O mundo está aí e a diversidade nele.
Vinte e oito! Essa é uma pequena amostra das jovens criminosas do Estado de São Paulo.
“Ele tava de joelho, implorando pra viver. A arma tava na minha mão. O meu dedo escapou e apertei o gatilho. [...] O que é uma vida?” Parte integrante de uma das redações. Esta foi a que mais me impressionou. A única que questiona a existência de Deus, enquanto as outras acreditam piamente nele.
Não entendo o amor pelas mães que elas têm, não entendo porque continuar com alguém que te levou para esta vida e que te bate constantemente, não consigo entender porque a maioria dessas meninas voltam para a mesma vida de antes. A Fundação Casa de nada adiantou então?

Elas não são mais meninas, cresceram rapidamente. Agora são mulheres. As 28 mulheres que entraram e mudaram a minha vida.

Fiquei 3 meses sem postar, com a possibilidade de não voltar mais. Volto, então, com este texto. Bom ou não, precisava voltar. Tentei escrever outros, mas saíram muito pessoais, e na maioria das vezes nem saíram. Esse se distancia um pouco de mim, e me aproxima do outro...

9 comentários:

Ana disse...

Brilhante retorno.

Enquanto lia fui lembrando de minha vivência na FEBEM...calma! Não como detenta, como estudante de psicologia mesmo.
É muito dificil adotar a imparcialidade. Quando se conhece o "outro lado", temos uma tendência enorme de nos comover. Percebemos que não é crueldade pura, existe uma razão de ser, e isso causa uma série de confusões em nossas cabeças.
Culpa é o sentimento mais comum...culpa por sermos preconceituosos, por termos medo de assalto, por termos uma vida cheia de possibilidades e os outros não. Culpa por estarmos ali, com nossas bolsas, cadernos e teorias, enquanto aquelas pessoas estão ali largadas em sua liberdade mascarada de prisão.
Acho que é nosso dever, enquanto psicólogos, acreditar no ser humano. Desde que ele tenha, ao menos a vontade de acreditar nele mesmo, se não, nada podemos fazer, ainda que nos doa, e muito.

Desculpe o comentário enorme, mas esse assunto mexe demais comigo!

Por favor, não pare de escrever!!

Bjs

Que seja eterno enquanto dure! disse...

Wow! Meio complicado de entender o texto quando voce nao conhece as meninas, mas gostei das colocacoes de como a vida vai, como construimos nossa personalidade.
Beijos amor!

Renato Tardivo disse...

enquanto psicólogos, estamos mesmo implicados àquilo que estudamos e investigamos. disso, aliás, decorre a possibilidade para alguma transformação. muito bonito te ver trocando afetos dessa forma. mudamos - todos e todas.

Sereníssi*mah* disse...

[Você voltoooou!! \o/ AÊÊÊÊÊ]
elas são algumas das muitas pessoas que de alguma forma te marcaram e marcarão...
olha, a nossa casa por pior que seja ainda é o melhor lugar do mundo, voltar pra casa é o que todos queremos. Isso explica porque o colo da mãe agressora é tão reconfortante! aai Helô, você vai ser uma grande psicóloga. Uma grande MULHER, mulher como as vinte oito mulheres que hoje fizeram de vc uma pessoa um pouco mais experiente, um pouco mais interessante e interessada, nem melhor, nem pior, apenas mulher, humana, mas grande!
Amo você Baka! Vejo a gente publicando juntas no futuro! Ou clinicandoo já que vc não quer seguir carreira acadêmica (apesar do potencial)!

P.S.: Nunca mais me diga que quer desistir do curso!
P.S.²: Nunca mais me diga que quer desistir do blog!

**Beijoooos amo³

Ana disse...

Olá querida...
A música se chama "Janta" é do Marcelo Camelo e ele canta com a Malu Magalhães..eu adoro!!

=)

Bjs

Ana disse...

Oi querida...
Agradeço o elogio, porém, há uma razão de ser a "minha" melhor poesia...na verdade é do Vinicius de Moraes...hehehe eu esqueci de colocar o nome dele, mas já corrigi!!
Bjão

Fernando disse...

q bom q voltou. Mais ou cedo ou mais tarde alguma coisa ia mudar e vc voltaria.
Pelo menos, para este blog, menos pessoal.

De vez em qndo a gente precisa de alguma coisa q transforme mesmo. Não falo das pequenas mudanças que acontecem por segundo. Mas essas enormes, que mudam toda uma percepção.

Todos precisamos das nossas '28 mulheres'.

bjo

Ana disse...

Olá querida,
Que bom que para vc falta menos tempo!! hehehe
Então, o nome do filme é "De repente é amor"...eu adorei!
Bjão

Fernando disse...

Ficção, claro... rs... ou uma metafora, talvez.

Beijos.

Vê se escreve.